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Anunciante do CNT

Cuidados com a lareira. Nem fogo demais, nem fogo de menos. Fogo suficiente para a chama perdurar ardente. Isso pede dedicação, com lenha certa em lugar e tempo certos: um estado de crepitação que deve ser musical; um tremeluzir que ajeita iluminação constante. O resultado fica muito carinhoso com os sentidos. Quando se namora à lareira, mais ainda se o vinho luxuria o ambiente, não se quer morrer, nem para se ir ao inferno, que é onde fica o céu. Quer-se, nem mais, nem menos do que se tem.

Estava ela no desfrute dessa situação: cuidava do fogo, servia o vinho, fazia os carinhos. Ele, refestelado em deleites. Não se falava muito, apenas se sentiam os prazeres de se estar sentindo prazeres. Ele resolve agradar: “Gosto de estar assim, gosto do teu colo; quero dormir aqui”. Ela como que despertou: estava, mesmo, tudo muito bom para ele; percebeu que estava bom para ele por tempo demasiado, e intuiu que ele não se apercebia que por tempo demasiado não estava tão bom para ela.

Era prazeroso servir, agradar, aconchegar. Fazia-o mesmo para gosto seu. Mas havia uma falta. A palavra que a acudiu foi reciprocidade. Nos afetos, sim, está, não há contabilidade de equivalência; não se devolve o recebido com exata precisão. Mas esse não era o ponto. Aconteceu-lhe, simplesmente, a percepção: “Cara, ele me dispôs como seu interesse, para o seu conforto; ele supõe que meus afagos são direitos seus”. Veio-lhe um desconforto físico e um certo estado de pressa. Era urgente sair dali.

Não se deixou tomar por qualquer ímpeto. Apreendeu a situação. Entendeu-se a si e a seu lugar em tudo o que ocorria. Não importava explicação; foi sentimento. Já, então, não havia gosto. Cuidaria de administrar a sua saída dos laços amorosos que recém-flagrara falecidos. Largou a taça, que vinho não se bebe por beber, mas que se o bebe em celebração. Desinteressou-se pelos cuidados com o fogo, que ainda não pedira lenha, mas logo solicitaria. Queria sentir a penumbra até a morte do calor.

Não se moveu, queria acumular desconforto. Queria guardar impressão ruim. Desejava que ao erguer-se se lhe viesse sensação de safar-se. Queria que tudo em seguida se lhe caísse mais agradável. Contrastava no depois o incômodo que já lhe causava o dar regaço ao sono dele com o alívio que adviria do recompor-se. Negou-se submissão à vontade de se ajeitar melhor no sofá; atrasou-a até desejá-la tanto que a imaginação já a saboreasse. Um sorriso irônico passeou por seus lábios.

Com medido vagar, desalojou-o do seu colo. Andou pela casa, voltou, conferiu que o fogo se consumira todo. Recolheu as taças servidas e não se reconheceu no vinho que elas continham. À sua frente um problema não armava solução: havia um sujeito deitado no seu sofá, desejava livrar-se dele. Sentia-o como um intruso; sabia-o seu convidado. Não se esqueceu de que houvera intimidade entre eles; até, talvez, amor. De repente, indiferença, apenas. Já não cabia uma palavra afetuosa. Nada.

Refletiu sobre como o passado se insinua. Pensou em como sempre não lhe fora difícil jogar cal nos acontecimentos da vida. Tomou de caneta e papel. Escreveu. Agradeceu ao homem a agradável presença e declarou ocupação na semana que se apresentava. Pediu que batesse a porta quando se fosse. Adiantou que dormiria até mais tarde. Deixou o bilhete à vista e saiu sem olhar atrás. Foi para o banho, depois se deitou aliviada. Refletiu, levantou-se, pôs-se em chaves. Cansada, descansada dormiu.

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